Olá, irmã. Sei que ele é de esquerda, parece um cara legal, ligado aos movimentos sociais, faz poesia, música, fala de amor livre, fala de feminismo e sei o quanto isso parece sedutor. Mas também sei que ele embebeda meninas para ficaram mais “facinhas”. Sei que ele trata a namorada como empregada em casa. Sei que ele a agredi fisica/emocionalmente/psicologicamente, controla suas roupas, enquanto ele banca o revolucionário sensível nas assembléias estudantis. Sei que ele coage meninas novinhas, tem o dom da comunicação, e usa do discurso libertário para coagí-las. Sei que ele também usa do discurso de liberdade sexual para supostamente “libertar” as mulheres do seu recalque com sexo, suas “frescuras”, medos e traumas, e assim, poder tê-las disponíveis sexualmente em maior número possível. Sei que ele julga e culpa as meninas que não querem transar com ele, as chamando de conservadoras, comenta com os amigos quais são “fáceis” e quais não são. Sei que ele já insistiu para transar com uma menina, mesmo depois dela dizer que não queria. Sei que ele já prometeu cuidá-la quando bêbada, e a estuprou. Sei que ele é pai, e deixa toda a responsabilidade de criação do filho com a mãe. Sei que ele não dá pensão, sei que ele não tá nem aí para a criança, e muito menos para a mãe do filho dele.
Eu sei que o seu amigo é um agressor, estuprador.
Você também sabe. Você sabe de tudo isso e ainda continua saindo com ele. Ainda vai na casa dele, vocês vão nos mesmos bares. Vocês ficam bêbados juntos, se drogam juntos, conversam, trocam ideia, experiências. Você se afastou da vítima quando ela relatou que seu amigo é um agressor, mas continua amiga dele. Será que ele é diferente com você? Você acha que ele pode ter mudado e se arrependido do que fez com outras mulheres? Você acha que enquanto feminista pode educá-lo? Ele até parece concordar com você quando conversam como o machismo é ruim e isso te faz ter esperanças e faz você se sentir especial por ser amiga dele? Ele diz que você é diferente das outras, que elas são loucas, muito radicais, mas que você sim é feminista de verdade? Ele te compara com outras mulheres as colocando em posição de inferioridade para te fazer se sentir especial? Ele coloca a sanidade em cheque da ex namorada que o denunciou para fazer a denúncia parecer mentira? Estes são mecanismos frequentes que homens agressores usam com as mulheres para nos colocarem uma contra as outras. Ele não te acha especial, ele faz isso porque sabe que se você acreditar nela e se unir à ela, as coisas ficaram mais complicadas para o lado dele.
Gostaria de entender o que te faz continuar amiga de um homem que também pode te agredir. Porque esse cara não agrediu só uma, ela não foi exceção. E nenhuma mulher é exceção. Você não é exceção. Você se sente verdadeiramente segura de beber com um cara conhecido por embebedar meninas e estuprá-las?
Você já percebeu que a vítima sumiu dos lugares que frequentava (muito provavelmente por ter medo ou se sentir desconfortável de encontrar seu agressor no mesmo local)? Você percebeu que a mulher que, corajosamente, denunciou o estupro e a agressão, teve poucas pessoas que acreditaram no que ela disse (sendo isto uma consequência da sociedade misógina, e você também sabe disso, você é feminista como eu), enquanto todos relativizavam a violência que ela sofreu, o cara agressor continua com o mundo todo para ele? Continua com as mesmas amizades, recebendo apoio, com a mesma autonomia para ir e vir de todos os lugares que queira. Todos fingem que nada aconteceu. A fraternidade masculina, o grupo de homens com o qual o agressor convive continua intacto. Os amigos dele não farão nada, nós sabemos disso.
Mas muita coisa mudou na vida dessa mulher que foi vítima. Eu sinto a dor dela. Ela sou eu, é você, somos todas nós. Se não cuidarmos uma das outras, eles não farão pela gente. Enquanto feministas, sabemos como é difícil termos apoio de outras mulheres, sabemos como nossa união é temida, a rivalidade feminina é muito forte, mas nós podemos superar isso.
Eu sei o quanto é difícil tomar uma atitude mais incisiva com homens agressores. Sei quais são as consequências disso, que vão desde isolamento político até mudança radical na nosso grupo de convívio. E isso dói, não é fácil. Não é fácil trabalhar a independência de homens, sei que vai ter backlash. Sei que vai ter macho nos corredores da faculdade, do bar, na rua te difamando para outras mulheres. E outras mulheres apoiarão o que ele diz, seja por medo de bater de frente, seja por insegurança, seja pelos laços que criamos com agressores que são tão difíceis de romper. Mas nós não estamos sozinhas e juntas somos mais forte.
A culpa não é minha, não é sua, não é nossa.
Nossas irmãs antes dos homens. Sempre.